Alguns dos contos curtos publicados pela Editora Pangeia
Visita ao Mineirão
Em BH o futebol é diferente, disse o amigo. O paulista não acreditou. Bobagem! É outro o sotaque, a comida, o pão de queijo, o boteco, mas futebol é sempre igual! E foram ao Mineirão. Cantaram, xingaram, pularam. Tá vendo? Não muda nada. Foi quando o meia achou o atacante, que encontrou a rede. No grito de gol, choveu tropeiro.
Logo ali
Não, essa é a Raul Soares. Você quer ir na Praça da Bandeira. Não precisa de ônibus, é logo ali. Ó: sobe a Bias Fortes a vida toda, passa pela Praça da Liberdade, entra na Savassi, segue até a Contorno. Vira à esquerda. Tem um morrinho, depois você vira à direita, só seguir. Pertim, 15 minutos. Chamou o Uber da Savassi.
Praia da Estação
Na Praça Sete não tem praça, só um pirulito. Na da Savassi também não. Nem na Tiradentes, na ABC… só o nome. Já a Praça da Estação tem água, cooler, catuçaí gelado, cadeira de praia, olhaaaa o picolé, água de coco 5 reais, latão três por 10, esteira de praia, toalha de praia. No concreto. Tá vendo? Nenhuma praça de BH é normal.
Igual todo lugar
O clima em BH é bom? Uai, é. Em novembro começa a chover, em dezembro é um toró. Janeiro alaga tudo. Arrudas sobe, Leitão acorda. Outono é friozinho. Nenhuma nuvem! Cê pisca e não chove há 30, 60, 100 dias. Começam as queimadas, quintal fica preto. Aí os ipês acordam: tem rosa, branco, amarelo, roxo. Enfim, é igual todo lugar.
Engarrafamento
Outro engarrafamento! Todo dia isso. Culpa do Guanabara, tiraram a entrada da orla, mas não resolveu. Ou é o Mineirão. Tem jogo hoje? Aquele bar ali também fode o trânsito. Ei, seu guarda, o que há? Calma, é uma família atravessando a rua. Que merda, essa demora por isso! Cadê a tal família? Ahh, eram cinco capivaras no asfalto.
Fígado com jiló
Se localizar em BH é fácil, é só entender a lógica de estados e índios, que dão nome às ruas. Complicado é andar no Mercado Central — eu vou lá desde pequeno e ainda me perco. O jeito é procurar a saída pelas ruas: Santa Catarina, Curitiba, Amazonas. No fim, só o olfato resolve. Encontro Fortaleza pelo cheiro de fígado com jiló.
Gentrificação
Passei a vida toda no Bom Fim, dividindo o bairro com 200 mil mortos. Tem quem ache macabro. Eu gosto: vejo BH da janela. Os túmulos, a Lagoinha, o centro e, lá no fim, a Serra do Curral. Mudar pra quê? Tem tudo, aluguel barato. E, quando empacotar, já conheço os vizinhos. Mas morrer aqui é caro, né? Vão fazer eu me mudar pro Paz.
BH 2050
Cinco construtoras duelaram pela última casa. Satisfeitos os herdeiros, foram abaixo paredes e janelas e telhas e memórias: nascia mais um arranha-céu. Do alto do Edifício Saudade, Bruno não soube responder ao filho.
— Mas cadê o tal belo horizonte, papai?
De novembro a março
Alugo garagem na Prudente de Morais. Vaga para carro, moto ou barco.
Desafio
Pequi: 10 reais o quilo! Se morder é de graça.